domingo, 30 de setembro de 2012

Zacimba Gaba, a princesa guerreira do Rio Cricaré


Há cerca de trezentos anos, o fazendeiro português José Trancoso arrematava, no Porto da Aldeia de São Matheus, na Capitania do Espírito Santo, com cerca de mais de uma dúzia de negros d’Angola, uma negrinha de feições finas e olhos esfumaçantes, sem imaginar, por certo, que estava levando para a sua fazenda – uma sesmaria de terras que ultrapassava o rio Mucuri, há umas seis léguas para o norte – a negrinha e que iria ser uma das precursoras nas lutas dos negros contra o regime de escravidão na região. O nome dela era Zacimba Gaba. Ela era princesa da nação africana de Cabinda, onde hoje fica o país Angola. Ao saber da estória de ter uma princesa em sua fazenda, o senhor resolveu chamar a mocinha. Ele a interrogou e proibiu sua saída da Casa Grande. 

Durante anos, a negrinha foi levada – por sua natureza rebelde – aos mais humilhantes e infames castigos, tendo sido surrada no Largo do Chafariz, no Porto, com outros escravos recapturados e rebeldes, provavelmente, por não aceitar, de bons modos, atender aos desejos do fazendeiro. 

Durante muitos dias e muitas noites os negros choravam ao ouvirem seus gritos, entrecortados pelos baques da chibata no corpo. Os outros escravos da fazenda, que também eram de Angola, passaram a tramar um plano para libertar a princesa, que era violentada pelo senhor constantemente.
Jararaca "preguiçosa".

Zacimba, ao longo dos anos, foi amadurecendo, e com seu sangue nobre passou a liderar um movimento de libertação dos negros da fazenda de José Trancoso. Por meses, os negros pegaram uma cobra, conhecida como “preguiçosa” (Bothrops jararaca), cortavam a cabeça, torravam e moíam tudo, transformando num pó muito fino, que era dado ao senhor na comida, em doses muito pequenas. Certo dia, as dores do senhor começaram e os negros aguardavam o momento certo para a liberdade. Quando Zé Trancoso passou a gritar de dor, os capangas descobriram que seu patrão tinha sido envenenado. Sabendo que os capangas matariam muitos escravos, até descobrirem a verdade, os negros invadiram a casa matando todos, só poupando a família do senhor.

Zacimba comandou a fuga de seu povo, da fazenda, e andaram pelas matas até Riacho Doce, depois de Itaúnas, lá formando um quilombo, lugar esse onde todos os negros eram livres e trabalhavam na terra, dividindo toda a produção como irmãos. Vários negros de outros quilombos, ou fugidos dos capangas dos outros senhores de escravos, se refugiavam no quilombo da princesa Zacimba. No entanto, a princesa não estava satisfeita. Ela sabia que o povo de sua terra estava sendo trazido, aos milhares, para ser escravizado no Brasil por brasileiros e portugueses, que achavam que o trabalho era humilhante e por isso tinham que escravizar os africanos, povo forte e guerreiro, que, infelizmente, não possuía as armas de fogo que os europeus possuíam. Foi aí que ela passou a atacar os navios que traziam escravos da África para o Brasil. Esses navios, que precisavam entrar no Cricaré para desembarcar, ficavam na costa esperando a maré aumentar para entrar no rio em direção ao Porto. Enquanto os navios esperavam na entrada do rio, a princesa Zacimba e seus guerreiros atacavam.

A princesa e outros guerreiros corajosos preparavam as canoas e esperavam anoitecer para o ataque mortal. Quando anoitecia, eles remavam na escuridão até chegarem aos navios negreiros. Os negros vinham trancados em porões, acorrentados, sem água e comida, nus e doentes. Muitos morriam na viagem e eram jogados no mar. Mas Zacimba tinha outros planos para os que chegavam vivos: a liberdade. Atacavam pelos lados, de surpresa, venciam as batalhas pegando os marinheiros desprevenidos, e libertavam os negros. Por dez anos libertaram centenas de negros. Os europeus já não ficavam perto do mar, pois temiam o ataque dos negros do quilombo do Riacho Doce.

A antiga princesa e escrava Zacimba Gaba cumpriu sua missão: ia onde a opressão, a injustiça, a covardia dos brasileiros e dos europeus estivesse. Para ela, o seu povo deveria continuar livre, e não, viver como escravo, como propriedade de outro, apanhando, comendo mal, vivendo em outro país, longe das esposas e maridos, longe dos filhos e, principalmente, sem liberdade. Zacimba morreu invadindo um navio, cumprindo sua missão e seu ideal, mostrando para todos os negros de hoje que eles devem lutar pela valorização da sua cor, pelos seus direitos e, principalmente, pela igualdade entre os homens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário